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O processo ocorrido para que DegradationTrip vesse a luz foi extremamente complexo e cheio de problemas que Jerry Cantrell precisou superar. A história desta obra maestra remonta-se a 1998, quando logo de ter finalizado o tour promocional de seu primeiro álbum “Boggy Depot”, o guitarrista decidiu realizar um autoexílio, junto com alguns cachorros e gatos, em uma casa em Cascade Mountains no estado de Washington, para dar vida a estas 25 musicas que hoje conhecemos como Degradation Trip Volumes 1 & 2.

 

O título do álbum provém justamente deste período de reclusão e descreve o processo e os sentimentos de Cantrell neste lugar onde encontrava-se isolado, por própria opção.

 

Cantrell passava um período de reflexão e transição que o tinha sumido em algo como um replanejamento total da sua carreira e da sua vida. A situação de Alice in Chains parecia ser cada vez mais escura em termos da banda se juntar novamente para fazer música. Jerry tinha assumido que seu irmão de 1000 batalhas já não estava em condições de pegar novamente o micro e Layne, ao parecer, também não queria que isso acontecesse. Em palavras do mesmíssimo Jerry Cantrell: “a gente passa por períodos que tem um inicio e um término. Às vezes podemos até não conformarmos com que acabem, mas acontece e devemos continuar em frente fazendo coisas novas, com o aprendido no passado e mantendo essas conexões. Este processo em particular foi isso: seguir em frente e mudar um monte de coisas".

Degradation Trip

Enquanto Dirt é a obra maestra de Alice in Chains e Above de MadSeason a autobiografia musicalizada de LayneStaley, o segundo esforço em solitário de Jerry Cantrell, DegradationTrip, nos é apresentado com a obra culmine do Senhor do Riff Escuro.

Ao contrario dos outros álbuns que Jerry Cantrell participou, neste usou só uma guitarra para sua composição, a mesma que usou logo também na gravação do disco. Uma Gibson Les Paul branca marfim cheia de queimaduras de cigarros que dão um pouco conta do ambiente e do estado de ânimo de Cantrell neste momento da sua vida. No inicio do processo de composição, a guitarra caiu e quebrou totalmente. Contudo, Jerry a concertou e continuou com as sessões de composição.

Gibson Les Paul blanco marfil

Em abril do ano 2000, Jerry contava já com um pouco mais de 30 músicas compostas por ele, razão pela qual decidiu abandonar o isolamento e buscar uma banda que fizesse parte da gravação de tão magnífica obra. Cantrell tinha a ideia de formar uma banda que se mantivesse totalmente afastada da sua relação com Alice in Chains. No início pensou em Sean para fazer algumas partes de bateria, mas não deu certo. Segundo Jerry, isto foi em virtude de como estavam às coisas com Alice. Os convidados para fazer o suporte rítmico foram Mike Bordin (Faith No More) e Robert Trujillo (Suicidal Tendencies).

 

Jerry conhecia a Mike e embora não fossem amigos próximos, respeitava muito o trabalho dele em Faith No More. Jerry contatou o Mike via telefónica e lhe apresentou alguns demos que tinha gravado com voz, guitarra e baixo, porém sem bateria, deixando aberta a possibilidade de Mike internalizar as músicas e pôr a sua própria criatividade neste instrumento. Robert Trujillo era bem mais conhecido que Jerry devido à Suicidal Tendencies já ter participado em um tour com Alice in Chains. Jerry conta como foi que pensou em Robert para ser o baixista de Degradation Trip: “talvez eu conhecesse o Robert um pouco melhor devido a que fizemos um tour juntos com Alice e Suicidal Tendencies, mas foi um comentário que ele fez para o meu técnico de guitarra que me fez querer ele no disco. Robert lhe disse: “fala pro Jerry, de se alguma vez se interessar em fazermos algo junto, que de verdade eu iria adorar tocar com ele”. Isso foi como uma pequena nota mental que mantive na minha cabeça, e quando comecei a escrever este material, ele realmente foi o único cara que veio na minha cabeça, considerando que eu queria dar um passo fora do campo de Alice”.

Uma vez a banda formada, Jerry Cantrell decidiu contratar ao produtor dos álbuns Facelift e Dirt de Alice in Chains, Dave Jerden, para orquestrar as engrenagens que dariam vida ao álbum. Contudo, no segundo dia de terem iniciado as gravações, a relação produtor-artista sofreu um quebre irreparável.

 

Em palavras de Jerry Cantrell: “achamos que seria uma boa ideia, mas uma vez que entramos no Studio percebemos que não. Não foi confortável para mim. Dave é muito profissional e respeito todo o trabalho que fez conosco (Alice in Chains) e com outras bandas, mas claramente não estava dando certo. A atitude dele foi bastante diferente de como quando tínhamos trabalhado antes. Não consegui aturá-lo. Pensei que faríamos um grande disco juntos. Que ele combinava perfeito com este material. Dirt é um dos meus discos favoritos. Mas ele meio que me deixava um pouco fora e não estávamos concordando. Acabou muito rápido, acho que no segundo dia. Então disse para mim mesmo: “OK, então vou produzi-lo sozinho”!”. 

 

Logo deste impasse, viria algo ainda pior; Columbia, a casa discográfica de Jerry durante mais de 10 anos, decidiu rescindir seu contrato, principalmente devido às ideias da discográfica não coincidirem com as de Jerry Cantrell. Em diversas entrevistas Cantrell dá conta deste fato como um dos vários problemas que teve que afrontar para dar à luz Degradation Trip, porém não entrega muitos detalhes sobre a real causa deste término. Talvez a Columbia quisesse apostar suas fichas a Alice in Chains como banda, mas não na carreira de solo do seu guitarrista e compositor.

Trás algum tempo buscando uma casa discográfica de forma infrutuosa, finalmente Cantrell encontra em Roadrunner um aliado disposto a apostar no seu trabalho. Ao menos em forma parcial no inicio do trabalho. O desejo sempre foi gravar e lançar o álbum duplo, porém os executivos da sua nova casa discográfica lhe sugeriram lançar um único CD, argumentando que nestes tempos “ninguém compra álbuns duplos ou triples devido a um tema comercial”. Isto sim, com a promessa de em um futuro próximo lançá-lo no formato duplo conforme tinha sido imaginado originalmente pelo gênio-guitarrista. Jerry não estava em condições de fazer uma defensa férrea da sua ideia pelo que cedeu à alternativa, um pouco relutante. Contudo, o problema do produtor foi resolvido e a vaga deixada por Jerden foi ocupada por Jeff Tomei, embora só como coprodutor. O outro 50% da produção seria abordada pelo mesmíssimo Jerry Cantrell. Tomei era um jovem engenheiro que tinha participado em trabalhos de artistas da altura de Corrosion of Conformity e Smashing Pumpkins, e que também acabou se dando muito bem com Cantrell.

O álbum começa com “Psychotic Break” e é o exemplo perfeito das 3 caraterísticas fundamentais de todo Degradation Trip. Musicalmente é como se um paredão de concreto se derrubasse acima da gente, com um riff monstruoso e dramático que chega a arrepiar. As vozes sobrepostas comovem devido à presença de Layne. As letras dão conta da aflição do génio com relação a seus amigos. (Feellike a psychotic break comin´on / thinking ´boutmydeadfriends / whosevoices ring on). De alguma forma Cantrell nos faz sentir essa angustia pela perda de seus seres queridos, causada pela droga em Seattle, e se faz mais duro ainda sabendo que Layne nos deixou muito perto da data que este álbum viu a luz.

Um tema recorrente em todo catálogo de Alice in Chains e acima de tudo na carreira em solo do guitarrista é a perda do amor verdadeiro. Uma vez que Cantrell apela à música para expressar da forma mais honesta a tristeza que o persegue por ter perdido o amor da sua vida. “AngelEyes” é uma balada semiacústica que, como todo catálogo de Alice in Chains, possui uma grande beleza, porém com sentimentos de tristeza (Shesaid I forgiveyou / don´tregretour time / you´vegottomoveonlove/ AngelEyes / Fouryears and still I dream/ Agonize/ Suchbeautynotsinceseen). É seguida de outra balada, desta vez totalmente acústica. “Solitude” é quase uma fotografia da reclusão, e do estado de ânimo de Jerry ao compor este álbum (When hurting yourself feels right, and there´s nothing familiar in sight, take the time to pull the weeds choking flowers in your life…/ or seal your doom /cold transparent blue/ locked inside a room / in solitude).

A gravação do disco deveu ser financiada pelo próprio Cantrell significando importantes esforços como foi a venda da sua casa em Seattle. Assim, a versão simples de Degradation Trip vê a luz o dia 18 de junho a só 2 meses da partida de Layne, o que fez com que o álbum seja uma espécie de tributo à irmandade destes gênios da musica. A perda de Staley deixa a Cantrell muito abalado, mas mesmo assim decide seguir com o tour programado e as sessões de promoção. Alice in Chains já era história para Cantrell e para o mundo. Pessoalmente, não vou me referir a esta versão em particular devido a ela não ser a ideada primeiramente pelo artista. Jerry teve que fazer um grande esforço para excluir algumas músicas e deixar esta versão como os executivos da discográfica desejavam.

 

Finalmente, Roadrunner cumpre sua promessa e lança ao mercado em novembro do mesmo ano, a versão dupla da grande obra maestra de Jerry Cantrell: Degradation Trip Volumes 1 & 2.

 

A obra é uma peça realmente escura, bem mais pesada que o álbum anterior “Boggy Depot”. Mais próxima ao som de Alice in Chains, porém diferente. Mais densa, lenta e pantanosa em várias músicas, dando passo a um ambiente asfixiante criado por densas camadas de guitarra que parecem indestrutíveis catedrais góticas. As letras são parte da marca registrada de Cantrell: relações tormentosas, desamor, solidão, a anti-glamourização do estilo de vida do rockstar, alienação. Com relação às letras, me parece estar falando do álbum de Pink Floyd, que também é duplo, “The Wall”. No que se refere às vozes, produz-se um giro de parafuso e passa de ser essa única voz nua que mostrou em Boggy Depot, à clássica superposição de vozes de Alice in Chains, só que desta vez sem a presença de Layne. Contudo, dá para ouvi-lo. Jerry confirma isso também: “Ele é o meu irmão, minha musa, meu companheiro em tantos aspectos; passamos muito tempo juntos. Layne era definitivamente o cantor da banda, mas me deu a confiança para eu também sê-lo. Então, tinha duas vozes separadas, porém você podia ouvir sempre a cada um de nós sobre a voz do outro, entende? Se você ouvir Degradation Trip, definitivamente você vai ouvir ele ai”.

Productor Jeff Tomei

 “Spiderbite” tem um riff assassino com uma clareza como nunca antes lhe ouvimos a Cantrell. É muito parecida a “Sickman”, não em termos musicais senão em termos de estrutura; uma parte mais bem rápida referente ao desenvolvimento da ideia e no médio da música um estrofe cantada com lentidão que leva ao clímax inesperado com uma explosão de guitarra e o grito de Cantrell que fazem desta música um “imperdível” do álbum. Liricamente faz referencia à dependência de Cantrell à cocaína: (Caine/ Caine/ Caine/ Slow poison working inside/ descending in shadow/ cocoon me then bite/ Caine spider give to me pain/ got a Caterpillar body and a butterfly brain). Um ponto alto dentro do álbum.

 

É inevitável uma biografia de Jerry Cantrell estar exceta de referencias a seu amigo e irmão, Layne Staley. Já seja a modo de nostalgia, liberação ou em referencias à dependência de drogas. No caso de “Gone” parecesse que Jerry esta se despedindo de seu irmão. É uma balada nostálgica com tintes country que nos levam a pensar que os caminhos da vida às vezes nos juntam e logo nos separam, sem mediar nenhum tipo de anestesia. (So they say with time, we slowly heal / I caught a flash of your smile, through the fog of a dream / I´ll have a hell of a time, I clearly see / I can´t be by your side, I ´ll see you when I sleep/ Now you´re gone...gone away). Um grande encerramento para o Volume I.

 

 “Castaway” é de alguma forma, bem ambient. Faz com que a gente se sinta um náufrago e provavelmente tenha um dos melhores coros que Jerry tenha desenvolvido. Uma guitarra abrasiva e texturizada complementa esta grande música.

 

Dentre dos tópicos importantes do álbum, encontra-se uma atitude de anti-glamourização deste estilo de vida das estrelas de Rock. Com ironia Cantrell passeia-se com conforto para satirizar o entorno artificial do rockstar, a vida em hotéis, os fãs perseguindo-os para pedir autógrafos, a vida com prostitutas, etc. Ele desenvolve muito bem esta ideia na corrosiva “Pro-False Idol” do Volume I, porém atinge uma perfeição sublime em “DyingInside”, onde a depressão, o ódio e a ironia apoderam-se do génio nesta música de tintes psicodélicos e combinação de guitarras acústicas e elétricas: (Hey Rock Star, got a coldbeer? Sure you don´t mind do you?/ Ain´t life sweet, party non-stop, 24/7 –cool/ So proud would be your mother / Anything you want, pick your lover/ From here looks so fine/ My god how your star shines…Dying Inside). Uma obra maestra sem dúvidas!

 

 “PigCharmer” é uma música lenta, com uma guitarra grossa que trata de um adito às drogas na fase mais profunda da sua dependência. Ao ler a letra, nos sentiremos abalados e com um profundo sentimento de aflição e nojo ao mesmo tempo. É uma letra realmente horrível em termos de plasmar a imagem deste dependente das drogas sem esperanças em nossas cabeças. (And I say welcome to my sty / throw my shoe, turn light out/ come on in, get high / Don´t mind piss-filled bottles/ hack and cough, I write / Peppered walls I spit out/ And my future looks bright…pretty sure I´m gonna fry/ This time I hope I´m wrong, not right/ Man I don´t really want to die). Em minha opinião acho que é uma referencia à doença de Layne. Uma música terrível.

 

O Volume II encerra o álbum com uma balada que é uma música muito linda. Novamente as raízes folk e country de Cantrell se fazem presentes em “31/32”. É talvez a melhor interpretação vocal que Jerry tenha realizado em toda sua carreira, com matizes perfeitos conforme o desenvolvimento da letra e da musica que chegam a arrepiar. As referencias a uma infância dura, à violência intrafamiliar e à relação com seu pai, apresentam-se nas letras desta grandíssima música (Rousttheboy, smackthewife/ mighthaveone…case tonight/ alcoholicbreath, thickdrool / Repetitive, belligerent, cruel / Can´tgetaway, no hiding place/ Theboyhesitates, whengrownhe´llmadethesamemistakes). Um encerramento perfeito para esta obra maestra chamada Degradation Trip.

 

Têm muitas outras músicas sólidas, belas, fortes, emotivas, asfixiantes, soberbias e sublimes neste álbum que são um dever para qualquer fã de Alice in Chains, Jerry Cantrell, e em geral do Rock. Se você não experimentou ainda este álbum, recomendo faze-lo o antes possível. Um álbum forte, melancólico, rockeiro, reflexivo que foi escrito com o sangue de um grande entre grandes.

 

Por: Schulz

Tradução por: Carol.

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